Maria e o Cangaço: Com espetáculo visual, série narra a história da mulher além de Lampião
Protagonizada por Isis Valverde, atração do Disney+ tem elenco, roteiro e direção de altíssimo nível

Publicado em 11/04/2025 às 05:51,
atualizado em 11/04/2025 às 18:06
Maria e o Cangaço, nova série brasileira do Disney+, narra a história de Maria Bonita além da figura de Lampião. Os seis episódios, já disponíveis na plataforma de streaming, contam com elenco, roteiro e direção de altíssimo nível e invertem as posições, dando protagonismo não ao rei, mas à rainha do cangaço, tantas vezes retratada à sombra do companheiro.
A série nos mostra que Maria de Déa (Isis Valverde) rejeitou uma vida submissa, comum às mulheres de seu tempo, para se tornar Maria Bonita e se unir ao grupo de foras-da-lei. Ao lado de Lampião (Júlio Andrade), ela vive sob perigo em constantes conflitos armados, e tudo muda com a descoberta de que está grávida.
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Inspirada no livro Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço, de Adriana Negreiros, a série é uma criação de Sérgio Machado, que assina o roteiro e a direção geral. A direção episódica é de Thalita Rubio e Adrian Teijido, este, responsável ainda pela fotografia.
Abordagem atual sem anacronismo ou apelo maniqueísta
O maior feito de Maria e o Cangaço é tratar do machismo e da misoginia no sertão da década de 1930 com uma abordagem pertinente aos dias de hoje, sem desrespeitar o contexto histórico e social em que a trama é ambientada. Há um tom contestador sem que os personagens precisem agir ou pensar como se estivessem em 2025.
É o que faz a série não ser anacrônica como tantos produtos de época que reproduzem costumes e pensamentos da atualidade. Há o devido cuidado com as cenas mais fortes, de estupro e feminicídio. Cria-se, então, um bom paralelo que evidencia como o cangaço espelha questões contemporâneas relacionadas à violência de gênero.
Soma-se a isso um verdadeiro espetáculo visual, com uma linda ambientação, capaz de exprimir beleza dos cenários mais inóspitos. A fotografia de Adrian Teijido agrega muito à história. Nos momentos-chave, Lampião está quase sempre atrás de Maria, que ganha o primeiro plano, em consonância com a proposta da série e invertendo a dinâmica do retrato habitual da dupla.
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Em certo episódio, Maria rasga o próprio vestido para estancar o sangue de Lampião, ferido em combate. Em trechos simbólicos como esse, a narrativa evidencia como a mulher abdicou de sua feminilidade – e de tudo o que, na época, se esperava de uma mulher, como a maternidade – para seguir ao lado do parceiro.
A protagonista cumpre a missão como uma sina. Suas motivações poderiam ser mais exploradas, o que aproximaria o telespectador do drama principal. A busca por justiça social ou mesmo o amor por Lampião não são trabalhados a ponto de fazer frente ao sofrimento por abandonar a filha pequena.
O texto, por outro lado, não apela ao maniqueísmo, não romantiza nem traz leituras fáceis dos personagens. A covardia daqueles que caçavam o grupo de Lampião, afinal, não é tão contrastante à crueldade com que eram cumpridas as leis do cangaço. Tal dicotomia rende sequências fortes e muito bem realizadas.
Isis Valverde encabeça elenco de grandes performances
No papel principal, Isis Valverde se despe de qualquer vaidade e cria Maria Bonita unindo rudeza e sensibilidade. Causa certo estranhamento que a rainha do cangaço chore a cada conflito, mas a atriz afasta a ideia de fragilidade e demonstra força além de emoção – ainda que o chororô pudesse ser dispensado em algumas cenas.
Júlio Andrade tem a seu favor uma caracterização que o deixou bem parecido com Lampião. O lendário cangaceiro aparece em segundo plano, e só um ator de tanto talento e versatilidade se manteria coadjuvante sem perder a relevância. Outro acabaria apagado, mas ele segue com grande presença em cena.
Todo o elenco é ótimo, e outros nomes também garantem bons momentos, como Rômulo Braga (Silvério, chefe de polícia mau-caráter que vai atrás do grupo), Ana Paula Bouzas (Dona Déa, mãe de Maria), Chandelly Braz (Dondon, a irmã) e Laila Garin (Federalina, tida como aliada, mas que tenta dar um golpe nos protagonistas), entre outros.
Atores não nordestinos e fidelidade à história real
A fidelidade à história real é um dos pontos que podem ser questionados. Há grande preocupação em discriminar onde e quando aconteceu cada fato narrado. Entretanto, Maria e o Cangaço segue linhas narrativas que talvez não correspondam à realidade, a julgar por entrevistas da própria biógrafa Adriana Negreiros.
A autora do livro que serviu de base para a série já disse que Maria Bonita passava longe de ser feminista. Apesar de “empoderada e à frente de seu tempo”, ela não defendia as colegas do grupo da opressão e concordava com o assassinato de mulheres adúlteras, ao contrário do que a ficção mostra.
Outra crítica oportuna, em voga desde que o projeto foi anunciado, diz respeito à escalação de atores não nordestinos – uma mineira e um gaúcho – para viver personagens tão representativos da cultura dessa região. Como contraponto, os diretores reforçaram em entrevistas que mais de 90% do elenco é de atores do Nordeste.
Maria e o Cangaço até consegue contornar essas questões, ainda que as discussões sejam pertinentes e impossíveis de serem ignoradas. Os problemas, entretanto, são eclipsados quando se assiste aos episódios, pelo requinte de produção, pela competência e o esmero dos profissionais envolvidos.
Assista ao trailer de Maria e o Cangaço, série já disponível no Disney+: